quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Crônicas do dia a dia - Salto alto

Isadora e Flor circulavam pelo salão enquanto chegavam os convidados do evento.

- Isadora! – Flor puxou o braço da amiga. – Aquela senhora que esta andando com as pernas abertas, toda encurvada, não parece a sua mãe? Acho que é sim dona Tereza!

- Meu Deus Flor! – Isadora arregalou os olhos e pôs a mão na boca.

A senhora usava um conjunto de saia e blusa preta, e andava como se estivesse mancando. Isadora foi até onde ela estava.

- Mãe, eu não disse pra senhora colocar um sapato mais baixo? – Perguntou Isadora entre os dentes.

- Sim. – Ela respondeu com tranquilidade. – Mas não combinava com esta roupa.

- Esta roupa também não ta muito curta pra senhora? Quer passar frio e ficar doente?

- Ahhh pronto! – Tereza entortou a boca.

-  Ta, este sapato é mais bonito, mas é muito alto. – A senhora não esta andando, parece que ta sendo arrastada pelo salão!

- Para de exagero Isadora! – O sapato é um pouco alto e desconfortável, mas eu já to aqui e vou ficar com ele mesmo.

- Não é possível Flor! Minha mãe enlouqueceu. – Isadora esbravejou, e em seguida olhou para os lados para ter certeza de que ninguém estava olhando.

Dona Tereza colocou a pequena bolsa debaixo do braço e se desequilibrou, até quase cair.
- A senhora quer cair e quebrar um osso mãe? Se quebrar isso não cola mais não!

- Eu já vou sentar coisa chata! – Ela ajeitou a saia. – Não pode nem querer ficar elegante. – Ela olhou pra cima. – Uma festa dessas e eu não vou me arrumar!

- Mãe, eu vou pedir pra alguém trazer outro sapato pra senhora, desse jeito não dá. Não adianta ficar elegante e não conseguir andar!

- Quem sabe da minha vida sou eu Isadora. Mas que implicância, será que eu não sei o que é melhor pra mim?

- Não! Ou não pegaria o sapato da sua neta! – Isadora riu e cruzou os braços.

- Qual é o problema disso? Preconceituosa.

- Para com isso mãe! Não ligo ser o sapato da Morgana,  o problema é ser um numero a menos, e a senhora ter 75 anos. Se cair o tombo é feio!

- Qual é o problema da minha idade? Não posso usar um sapato alto e vermelho que você quer anunciar quantos anos eu tenho!

- Calma Isadora, não é pra tanto! – Flor se intrometeu com uma risada sem jeito. – Ela só vai ficar sentada mesmo.

- Nada disso. – Tereza riu descontraída. – Eu vim pra esta festa foi pra dançar. – Mas eu não sou boba, eu trouxe o sapato da dança, ta aqui na minha bolsa.

- Vê se eu posso com isso Flor! – Ela pôs as mãos na cintura. - Eu com um salto de 3 centímetros, e a minha mãe com esta perna de pau!

- Chega de drama! Só ta apertando um pouco na frente. E tirei foto com todo mundo em casa antes de sair e ficou uma beleza, na hora do baile eu troco o sapato. Se preocupe só com a sua fala.
- Tava todo mundo olhando a senhora andando toda torta.

Tereza gargalhou.

- Problema é de quem ta curioso, eu não to atrapalhando a vida de ninguém, você que ta querendo se meter no que eu uso.

Flor olhou para Isadora, fez sinal com a boca pra ela se calar.

- Você não sabe o que eu aguento dela Flor, por isso pede silencio. Fomos ao médico esta semana, e ela perguntou pra ele se tava liberado o sexo!

- E o que tem isso? - Disse Flor.

- Como assim? Ela fez isso na minha frente, eu fiquei vermelha igual este sapato dela.

- Bobagem Flor, querida. Isadora parece que tem mais de 90 anos. Ow menina careta! Por isso não arruma namorado...

- E quem disse que eu quero arrumar namorado?  

- E precisa dizer?

- Mãe para com isso de arrumar namorado, por favor? Eu não sou mais adolescente.

- Então para com essas coisas de não poder transar por que eu sou velha, ou não posso usar saia ou salto, eu uso o que eu quiser. Meu corpo minhas regras!

- Vixe, sua mãe ta andando com alguma feminista barra pesada Isadora? Hahahahaha

- Deve estar, só pode!

- Ela ta mais empoderada que você. – Flor gargalhou.

- Ta bom mãe, a senhora venceu! Fica com o seu sapato.

- Claro que vou ficar, jamais tiraria por que você disse.

- Que mulher ranzinza a senhora esta. – Resmungou Isadora.

- Você é minha copia autentica – Tereza sorriu satisfeita.

O salão encheu depressa, logo a plateia estava cheia. Isadora ia em direção ao palco onde faria a fala inicial da cerimonia de premiação do hospital.

Dona Tereza foi beber agua, andando devagar com as pernas abertas. Isadora viu a mãe e mexeu a cabeça querendo rir. Olhou para o lado e deu um passo em falso, o seu salto de três centímetros grudou no vão descoberto do piso, Isadora caiu e o salto quebrou.

- Flor, me ajuda. Isso é castigo! – Ela gargalhou enquanto levantava no chão. - O que eu faço? Vou entrar sem sapato ou mancando.

Dona Tereza se aproximou.

- Toma aqui, pode usar a perna de pau.

- Não, pelo amor de Deus! Com este salto agulha vou cair em cima do palco.

- É isso ou descalça.

- Já que não tem jeito neh! – Ela bufou. – Pelo menos é meu numero.  - Isadora colocou o sapato no pé.

Pouco tempo depois Isadora subiu no palco e fez seu pronunciamento divinamente, se sentiu ótima.
Assim que terminou, desceu do palco e foi falar com a amiga.

- Flor este sapato me deixou com uma postura muito legal. – Ela riu. – Mas não conta pra minha mãe. Dona Tereza já é muito convencida.

- Claro que não vou contar, ainda bem que ela tinha outro sapato, ou você estaria perdida.

- Isso é verdade. Ela tem tudo naquela bolsa dela. – Ambas riram.

Isadora arregalou os olhos:

- Olha aquilo, você ta vendo o que eu to vendo?

- Acho que sim.

Tereza se aproximou das duas amigas.

- Mãe, este não é o Manoel, o mecânico do bairro? – Isadora cochichou no ouvido da mãe.

- Não, este é o Maciel, meu namorado.

Flor e Isadora se olharam.

- Desculpa ai dona Tereza! – As duas gargalharam.


Texto: Grazy Nazario. 






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