sábado, 25 de agosto de 2018

Calcinha de dormir - Crônicas do dia a dia


Isabela entrou no carro e ligou o motor, saiu as pressas enquanto ouvia o tagarelar da amiga.
Em menos de duas quadras o carro levou uma fechada de uma moto, a moça pensou rápido e saiu pra sua direita. Ouviu-se a derrapada forte, o carro que vinha no sentido contrário tentou desviar, mas bateu próximo a porta da motorista, prensando toda a parte dianteira.

Isabela soltou um grito, e em seguida começou a chorar.

- Esta tudo bem com você Bela? Fala comigo Isabela, por favor! – Perguntou Isadora com tranquilidade.
- To bem. – Respondeu a moça. –  Eu não consigo mexer o meu pé, deve estar preso em algum lugar. – Ela resmungou controlando a respiração e aos poucos se acalmando.

Cerca de trinta minutos depois chegou a ambulância, Isadora e Isabela conversavam quando um homem alto e forte chegou próximo do carro onde estavam as amigas.

- Bom dia senhoras. Estão conscientes? – Perguntou o homem.

- Muito bem. – Respondeu Isadora entre os dentes. - Melhor agora.

- Por favor, Isadora. - Ele veio me socorrer. – Isabela sorriu.

– A minha amiga esta com o pé preso na lataria. – Isadora disse imediatamente.

- Meu nome é Jota. Deixa eu olhar como estão as coisas por ai.

O homem examinou a parte que estava prendendo as pernas de Bella.

- Espero que não goste muito dessa calça.  Ele sorriu descontraído. - Vamos tirar você daí. – Ele disse em confiante. – E saiu em direção a ambulância.

As meninas riram presunçosas.

- Nossa que profissional da saúde! – Isadora se abanou. – No meu trabalho não tem nenhum desse ai, nem para fazer de colírio para os olhos. – Ela gargalhou. – Seria bom demais, ou não ia prestar, por que ninguém ia trabalhar.

Isadora olhou pra amiga e viu seu semblante fechar, de uma hora pra outra seu rosto ficou pálido, e sua boca pareceu querer arroxear.  Isabela estava preocupada demais, ou prestes a desmaiar.

- O que foi garota? - Isadora gritou.

- O que ele disse sobre a calça? - Perguntou Isabela como se tivesse em transe.

- Ele falou aquilo porque a sua calça deve ser toda cortada neh, isso é normal. 

- Eu não posso ir para o hospital. – Respondeu a motorista com convicção. 

- Que isso garota! Ta devendo o que? - Retrucou Isadora.

- Não to devendo, não quero ir. – Disse a moça com a voz alterada.

O atendente da emergência chegou:

- Vamos lá moça, acabar com isso ai.

- Eu não quero ir para o hospital Jota, me deixe ir pra casa. Eu estou bem. – Isabela tentou ser convincente, mesmo com a voz fraca dissimulando a dor. 

- Eu não entendi essa agora Jota, garota estranha. – Isadora resmungou.

Isabela fixou os olhos na amiga. e passou a mexer todos os músculos faciais possíveis, era o nariz entortando, a boca gemendo, os olhos piscando desesperadamente, tudo ao mesmo tempo.

Isadora percebeu que tinha algo errado, mas ainda assim caiu na gargalhada.

- To entendendo é nada!

Isabela começou a mexer a cabeça em direção a sua virilha. A amiga arregalou os olhos.

- Eu vou te matar Isadora! – Disse Isabela enquanto Jota e mais um agente tirava o seu pé das ferragens. 

Em seguida ela gritou. 

– Ta doendo muito, ta insuportável.

- Pelo que vi o seu pé esta quebrado em três partes, isso é serio. Vai precisar de cirurgia. - Afirmou Jota

- Não! – Isabela berrou.

Todos a olharam. 

Em menos de dois minutos ela estava na ambulância a caminho do hospital, as duas amigas enfim estavam a sós.

- Não entendi nada das suas macaquices Isabella, você ficou se estremecendo toda. – Você ta afim do boy? Não tem problema...

-  Fica quieta. - Isabela cochichou. – E eu lá tenho cara de fazer uma coisa dessas, parece que não me conhece! – Ela respirou fundo. - Eu to com uma calcinha rasgada. – Seu rosto  ficou vermelho, mais que a lua em dia de eclipse.

Isadora abriu uma boca imensa, maior mesmo só os seus olhos de espanto.

- Como você sai de casa pra me levar numa consulta com uma calcinha rasgada?! – Ela ergueu o corpo e pôs a mão na cintura. – Você é louca, só pode!

- Eu não ligo muito pra essas coisas, você sabe. – Respondeu Isabela.

- Percebe-se. – Isadora bufou. – De quanto a respeito de rasgada estamos falando?

- Muito. – Isabela engoliu seco.

- Você  disse que não liga né, então por que tanta preocupação afinal. – Ela revirou os olhos. – Se é uma pessoa que não tem condições financeiras eu entenderia, mas você esta bem colocada no mercado de trabalho, isso é desleixo já!

- Não exagera! Eu estava atrasada, sai com a calcinha que usei pra dormir.

- Entendi. Desleixo e preguiça!

- Exagero seu. – Resmungou Isabela.

 Chega! – Isadora ameaçou a rir. – Eu não quero saber mais dessa historia. – Você não liga mesmo, então pode parar com isso. Não pode deixar de operar o pé por conta de uma calcinha furada, deixe o medico pensar que rasgou no acidente.

As duas gargalharam como loucas.

- Imagina se isso acontece comigo, eu sofro um desmaio! – Brincou Isadora. – Calcinha rasgada eu jogo fora. Não da pra usar um troço que não tape nada! Isso é auto cuidado.

- Ta bom, ta bom! Chega de sermão. Eu aprendi a lição, não ligo de usar calcinha rasgada, mas alguém ver é bem constrangedor.

- Vão tirar a sua roupa toda, inclusive a calcinha. – Isadora ficou um pouco pensativa e  riu compulsivamente.

- O que foi?

- Nada... – Isadora balançou a cabeça. – Hoje você faz a equipe de enfermagem rir a toa.  

- Isso, ta me ajudando muito. –Ela fulminou a amiga. - Estou muito melhor depois desse nosso papo.

O carro parou na entrada de emergência.

-  O que me consola é que nada pode ficar pior. – Resmungou Isabela.

O médico chegou, olhou para o pé da acidentada.

- Que coincidência boa, uma fratura em três partes, é disso que eu preciso. - O medico levantou a mão e chamou uma moça. - Peça para todos os estagiários da emergência vir para a sala de cirurgia do terceiro andar, farei uma cirurgia de algo que estamos acompanhando esta semana. São um total de 25 pessoas.

Isabela empalideceu, enquanto sua maca era empurrada para a sala de cirurgia olhou para a amiga,  mexendo a cabeça desesperadamente.



A cirurgia enfim foi um sucesso, pouco após terminar Isabella estava no quarto.

Ficou ansiosa quando viu a amiga na porta.

- Vai ficar tudo bem comigo, o médico disse que dificilmente ficarei com alguma dificuldade pra andar ou correr, e se eu me cuidar bem em alguns meses estarei 100%.

- Isso é maravilhoso. – Isadora disse feliz.

- Eu acho que o médico percebeu que eu estava constrangida por conta da calcinha, que não tinha um furo, aquilo era um  tiro  de canhão. Eu pedi pra ele não chamar os estagiários.

- Nossa que coragem, e ele disse o que? - Questionou Isadora.

- Que ali eu era um instrumento para estudo, e que estava contribuindo para formar médicos e ajudar pessoas a se saírem bem de uma fratura como a minha. E também falou que a medicina é bem clara quanto à questões de ética e profissionalismo. 

- Nossa, ele é bom!

- Sim, eu fiquei muito mais tranquila, depois disso relaxei, eu já tava ali mesmo não é! – Isabela sorriu. – Não tinha o que fazer, decidi não me preocupar.  

- Verdade. – Isso é bom. - Garantiu Isadora.

Flor e Milla apareceram na porta do quarto.

- Oi meninas! – Que bela visita.

- Bela, me diz que você não é a Isabela da calcinha furada do leito 12? – Perguntou Milla com o semblante preocupado.

Todas as amigas se olharam simultaneamente, e em seguida para o numero abaixo da cama. N-12.

Isabela Ficou vermelha de raiva.

- Malditos estagiários!

Texto: Grazy Nazario. 





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