Milla abre a porta empolgada.
- Chegou na hora do brinde! – Ela sorri. – Eu sei que não
podemos nos abraçar, mas como é bom te ver.
- Oi meninas! – Responde Isadora com certo desanimo. – Gente,
podem abaixar um pouco o som? – Ela senta no sofá.
Bella, Flor e Milla arregalam os olhos:
- Nossa, que ânimo em plena sexta-feira. – Comenta Flor.
- Eu sei... – Isadora suspira. – Tive um plantão daqueles. Esta covid19 quando não mata de um jeito, ferra de outro.
- Imagino, amiga. Olha estávamos todas de máscara, só
tiramos agora para o brinde. Não dá pra beber de máscara. – Disse Milla
enquanto riu.
- Passei em casa pra tomar banho, não queria vir direto do
hospital, mesmo já infectada e curada preciso evitar transmitir os vírus de
outra forma.
- Foi bacana da sua parte vir, mesmo que um pouquinho. – Diz Bella. – Agora que as coisas estão mais ou menos voltando ao normal... - Fase laranja, quase amarela. - Ela ri sem jeito. - Era importante ter este momento, não comemoramos o aniversário de ninguém.
- Eu também estava com saudades. – Diz Isadora. – Mas
passei em casa e me aborreci. É muito louco precisar brigar por certas coisas.
- O que aconteceu? -
Pergunta Milla. – Segura este copo, relaxa e nos conte tudo!
- É o meu filho.
- O que tem ele? – Pergunta Bella.
- Ele não quer colaborar com nada. Antes eu já fazia tudo,
mas agora a minha sobrinha esta passando uns dias em casa, e pedi pra ela fazer
algumas coisas.
- E o que tem isso? – Rebateu Flor. – Estranho precisar
pedir isso para o seu filho, só mora vocês dois na mesma casa, pensei que ele
fazia o básico.
- Muito chato fazer coisas de casa! – Milla revira os olhos.
– Ainda bem que moro com minha mãe.
- Isto não diminui em nada sua responsabilidade, minha
filha! – Disse Bella. – Se você faz a sua mãe de empregada ta igual o filho da
Isadora, só que pior, porque é adulta!
- Não acredito que estou ouvindo isso! – Flor bateu o copo
na mesa e foi até a cozinha. Voltou com uma latinha de cerveja na mão. – Pelo amor de Deus, em pleno século XXI você ta
sofrendo porque seu filho não quer ajudar, ou melhor, fazer a parte dele nos
afazeres domésticos. É sério isso?
Isadora fica sem graça, e olha para as amigas.
- Você nunca ensinou isso a ele? Prefiro não falar sobre a
Milla, porque se fizer isso serei obrigada a brigar com ela!
- Calma, gente! – Milla riu. – Eu pago uma diarista super
bacana, e ajudo também em casa. Só disse que era chato.
- Disso todo mundo sabe Milla. – Responde Bella. – Mas a gente
sabe como você não é fã de fazer muitas coisas.
- E quem é? – Responde Milla irritada.
- Eu! – Diz Isadora prontamente. – Eu sempre fiz tudo
sozinha. Nunca pedi nada pro meu filho, dava pra eu fazer eu fazia. E ele é
homem, vocês sabem que eles não têm muito jeito pra fazer coisas de casa.
- Pelo amor, que papo mais anos 50! AFFFFFF – Disse Flor e
revirou os olhos. – Meus ouvidos estão sangrando!
- Não exagera com a Militância Flor! – Isadora virou um copo cheio de cerveja. – To ficando mais brava com vocês do que com meu filho.
- A questão é que é mais fácil fazer do que ensinar. Ok. Mas e se o seu filho fosse uma menina, você
ensinaria ou não? – Pergunta Bella.
- Mas ai não tem comparação né, gente! – Insiste Milla. – A
mãe da gente já manda a gente fazer tudo desde pequena. Acho que por isso
odeio. – Milla gargalha.
- Como que não tem comparação! – Flor se exalta. – Você
aprendeu desde pequena, seria a mesma coisa caso fosse um menino.
- Isso é o que a gente queria! – diz Milla.
- Sim, por isso mesmo temos que fazer. Eu não tenho filhos,
mas isto está claro pra mim. Precisamos passar valores diferentes do que
tivemos para meninos e meninas, ou nada vai mudar.
- Você odiar fazer estes serviços é só mais um exemplo de
que isso não tem nada a ver com gênero. – Insiste Bella.
- Mas é que eu sempre trabalhei e estudei... – Resmunga
Milla.
- Milla, se for assim ninguém tem tempo de fazer nada, mas
alguém precisa fazer! – Insiste Flor.
- Ah gente, mas agora ele já ta moço. – Resmunga Isadora. –
O problema foi esta pandemia, eu levava muito bem as coisas porque era só nós
dois. Agora parou a escola e todas as coisas possíveis, e eu to trabalhando
feito uma louca no hospital...
- Não é possível, você quer viver como se o seu filho fosse o
rei da casa! – Flor se irrita. – Eu não agüento manter um bom humor com uma
fala dessas.
- Calma flor! – Pede Bela. – Falar assim não adianta nada,
só deixa ela mais nervosa.
- Nossa gente, pra que eu fui comentar do meu cansaço. –
Isadora respira fundo. – Só queria relaxar e aproveitar que amanhã é minha
folga.
Isadora levanta a vai ao banheiro.
- Caramba meninas, vocês pegaram pesado hoje hein! - Reclama Milla e vai atrás da amiga no
banheiro.
Bella e Flor se olham.
- Nossa, ainda não me acalmei. Eu não me conformo que a
pessoa queira ser empregada, por isso tem uma par de boizinho se achando pra
cima da mulherada. – Suspira Flor. – Querendo tratar mulher como empregada!
- Eu sei Flor. Mas ela não enxerga assim, fica calma, não
precisa brigar também, né. – Diz Bella.
- Dá vontade é de tacar foco nesta macharada folgada!
- Mas ele tem 17 anos!
- Sim, e logo terá 20, e 21, 24, 32.... E vai neste ritmo,
“alguém faz por mim”.
- Calma, pode ter salvação.
Flor suspira.
- Eu acho que estou estressada mesmo! – Ela ri. – Muito
tempo de quarentena e descobrimos que nossa amiga está se fazendo de escrava e
nem enxerga, é problema viu.
Milla e Isadora voltam.
- Meninas, eu vou embora. – Diz Isadora com a voz
ligeiramente mais calma.
- Não precisa ir Isadora. - Diz Bella. – Pegamos pesado.
Vamos ficar de boa, não é Flor? – Bella olha de canto de olho para a amiga.
- Sim. – Responde Flor a contragosto. – Desculpa, senta ai e
fica de boa.
Isadora senta novamente.
Flor bebe uns goles de cerveja, observando a amiga.
- Permita-me dizer mais uma coisa? – Flor sorri. – Mesmo se
você não permitir eu vou dizer. - Ela afirma em tom descontraído.
- E a novidade, Flor? – Diz Milla.
- É que assim.... Precisamos mudar está visão de que as
mulheres precisam fazer tudo sozinhas. Por que temos que carregar o mundo nas
costas? Reclamamos na internet sobre as atitudes dos homens, e não exigimos que
nossos filhos arrumem a cama?
- Você nem tem filho, Flor! – Ironiza Milla.
- Eu sei Milla. Mas você entende o que eu estou falando? –
Flor passa as mãos nos cabelos. – O mundo vive uma pandemia louca, muitas
pessoas morreram e continuam a morrer. A nossa amiga trabalha na linha de
frente contra a doença, chega cansada, e não tem o apoio da própria família. O
que ela estaria passando como valores ao filho?
- Isso é verdade. – Diz Bella. – E se algo acontece com ela?
- Sim, eu fiquei doente. E alguém foi pra minha casa, o meu
filho ficou perdido.
- Ele não é mais uma criança, se algo acontecer com você,
ele precisa ter noção do que é preciso fazer, em outros sentidos também. – Completa Flor com a voz mansa. – Você pode fazer tudo, se assim escolher. – Quem
sou eu pra dizer o que você deve fazer?
- Uma feminista do caraio! – Riu Milla. – Mas isso é
verdade.
- Eu sei, mas não é fácil mudar hábitos. - Lamenta Isadora.
- Isso não é mesmo Isadora. Mas não é impossível. – Bella
abre um sorriso. – E não é só por você, mas por ele também.
- Isso é verdade. E também o que você vai deixar para o
mundo. – Mães super protetoras são péssimas.
Isadora torce o nariz e a boca.
- Mas você não se contenta neh Flor!
- Jamais! – Ela sorri. – Pra mudar precisa fazer diferente.
Eu nunca imaginei que veria aquele menino tão lindo sendo acostumado assim,
nessa vida mansa.
- É a idade também. – Ameniza Bella. – Os hormônios e tals.
Milla riu.
- Na minha época os hormônios faziam outra coisa.
Todas riram.
- Posso perguntar mais uma coisa?
- Ai meu deussssss – Grita Isadora simulando desespero. – Eu já entendi sobre os
direitos iguais e tudo mais, você tem toda razão, Flor! Agora deixa eu tomar
essa cervejinha e ouvir este som gostoso porque eu quero relaxar.
- Ah sim. – Flor riu. – Relaxa sim, e depois vamos sortear
quem vai lavar a minha louça lá em casa!
Todas olharam Flor.
- Ta doida!?
- Não! Kkkkkkkk – É que como eu conseguir fazer você dividir
o seu serviço de casa, todas vocês podem dividir comigo!
Imagem: Site "Pra ficar Charmosa. |
FIM